الصحراء حبي

Cou, a tua valvolina 140 continua a bombar aqui no deserto. Corrente sempre impecável!! -- ZP.

Algumas notas...

1) Preço da gasolina: 21/22 cêntimos por litro. Significa que encho o depósito de 56 litros da AT com cerca de 11 euros.

2) Viagens com a companheira. No norte, nas grandes cidades, é fácil encontrar alojamento com standards de conforto semelhantes aos da Europa. No entanto, assim que se entra no interior, as coisas mudam substancialmente. Há cidades marcadas como principais que têm um ou dois hotéis, frequentemente decadentes e com várias falhas. As infraestruturas turísticas são muito débeis. Cuidado com a estação do ano. Quando se viaja no sul, como estou a fazer, as temperaturas são muito elevadas nos meses de Verão. Estou a beber cerca de 5/6 litros de líquidos (principalmente água e alguns sumos) por dia. Convém que a companhia perceba isto ANTES de partir! A Primavera ou o Outono são as estações ideais para uma viagem de moto. O reveillon é uma altura relativamente popular para férias (mesmo de argelinos) nesta zona de oásis do grande Erg ocidental.

3) Esta também pode estar na classe de “viagem com a companheira”. Há pouca tradição de comer fora nos locais por onde tenho passado. Há pequenos comércios em todo o lado, que ficam abertos até tarde (22 horas?), por isso à fome não se morre. Mas “restaurante” por aqui é uma palavra que convém redefinir. Os locais “seguros” são os restaurantes dos hotéis, onde a refeição é uma coisa mais ou menos à europeu. Acontece que esta é a época mais baixa de turismo e os restaurantes dos hotéis ou estão fechados (não há clientes) ou servem coisas básicas (steak/frites). A alternativa é ir a um tasquinho deles, normalmente um “buraco” quente onde se pode trincar “poulet” (frango), omelete, saladinhas e sopa e mais algumas coisas que hei-de ainda experimentar. Nada de porco, claro. Para mim tem sido maravilha, mas atenção a quem não se adaptar… Ainda não vi uma europeia por aqui, nem sozinha nem acompanhada. Outra coisa é que a relação com a comida e os locais de repasto dos argelinos é bem diferente do que estamos habituados. Comer aqui é uma coisa “funcional”, as porções muito mais correctas (pequenas) do que num restaurante europeu. Come-se porque é preciso e ir ao tasco é coisa rápida: comer em 10/15 minutos e andar. Não se fica por lá na conversa (isso é para a esplanada). A comida é muito simples: come-se o que eles cultivam e os animais que têm no quintal. As saladas são deliciosas: há muito tempo que não como tomate tão feio e tão maduro e saboroso. Muita melancia. Como os hotéis têm frigorífico no quarto (um luxo na Europa, mas não aqui!), pode-se ter bebidas e melancia fresca. ASAE é coisa que aqui é desconhecida e nunca vi facturas/recibo em lado nenhum (excepto nos hotéis).

4) Distribuição do leite. Estava eu em Moghrar (ainda sem escolta militar) a depenicar uma coxa de frango, saladinha e umas “frites avec sauce”, no pico do calor (tudo muito bom, embora a confusão e asseio do local desafie o mais santo e tolerante dos europeus), chega o rapaz do leite. Uma camioneta de caixa aberta com duas vacas amarradas ao gradeamento pára em frente ao tasco (eu estava numa mesa cá fora). O dono do “restaurante” sai com uma panela e começa a operação. Não pensem que foi coisa rápida. Embora o leiteiro manejasse com habilidade as tetas da vaquinha, esta não queria cooperar e dava pequenos coices e vazia uma nuvem de pó. Amarrada a perna da vaca com a ajuda do dono do tasco, lá se conseguiu consumar o acto. Tudo isto terá demorado uns vinte minutos, em frente mesmo do local onde estava a comer, a camioneta sempre a trabalhar, no meio do calor insuportável da uma da tarde.

5) À noite as pessoas conversam, sentando-se ou acocorando-se nos passeios da cidade. Há muita gente nas ruas, nestas noites quentíssimas do deserto. Não há bares, apenas cafés com mesas cá fora, a que nós chamaríamos esplanadas. Toma-se chá, há sempre garrafas de litro e meio nas mesas. A partir das dez, dez e meia da noite, o movimento nas ruas começa a diminuir. É uma vidinha simples, que está certamente na base da simpatia e ambiente acolhedor que se sente.

Umas fotos de oásis de Taghit e um passeio matinal até uma zona de gravuras rupestres. As próximas fotos serão mais “humanas” com gente e aspectos da vida dos oásis.

O oásis de Taghit, visto da direcção Norte, no meio de uma zona de palmeiras. Para Este, as dunas, para Oeste o Hamada (deserto rochoso).



Passeio matinal entre as dunas e as palmeiras.





The end of the road... A estrada acaba aqui, em frente a uma formação rochosa, cheia de mais gravuras rupestres. Não, não vos vou massacrar com mais antílopes! Estou a tirar a foto empoleirado nas rochas...



Zé Paulo.

TodayAdventure escreveu:Cou, a tua valvolina 140 continua a bombar aqui no deserto. Corrente sempre impecável!! -- ZP.

Nada melhor que esse teste nessas temperaturas depois no final comenta como se portou, depois quando poderes passa por ca e levas mais.
Estou adorar a tua cronica belas fotos e o relato da mesma

A árvore mais resistente a este clima, com uma longa vida. Qual é?...



Nas dunas de Igli com o Mustafa, alguns dos seus filhos e mais crianças de Igli. O deserto tem mais vida do que eu imaginava...



Em casa do Mustafá, onde passei o dia na conversa, com três dos seus quatro filhos. Ele é técnico de análises clínicas, um bom homem e um sonhador. Levou-me a conhecer algumas das coisas bonitas dos oásis. Há muito mais e melhor água por aqui do que eu imaginava...



Entalado entre dois Nissans da polícia que me escolta. É uma seca, mas não há meio de fugir...



Zé Paulo.

Com todas estas fotos e descrições, nada do que eu diga surprenderá,,Excelnte mesmo, estou sem palavras...GRANDE ZÉ PAULO...Espero que tenhas uma excelente continuação de viagem, nós estamos cá para viajar contigo....

V

Voltei aos teclados arabes... Ja nao e' mau ter internet. Os cyber-cafes sao um optimo local para se passar algum tempo na hora de maior calor: tem quase sempre ar condicionado.

Tenho conseguido andar por aqui sem guias. As motos tem um estatuto estranho, indefinido por aqui. Ontem encontrei os primeiros turistas dignoso desse nome, por aqui. Duas auto-caravanas com italianos, acompanhados por um 4x4, guia local. Para automoveis, os guias parecem obrigatorios. Numa moto, o que nao posso e' andar sozinho na estrada. Vai um Patrol com militares 'a minha frente e outro atras. O argumento oficial e' sempre o mesmo: c'est pour votre securite'... O maximo que lhes consigo arrancar e' que se trata de evitar desaparecimentos. De vez em quando ha' turistas que desaparecem no Sahara, depois de substimarem os perigos do calor. Eu creio que a maior preocupacao e' outro tipo de desaparecimentos, coisas do tipo das que aconteceram em 2003... E no sul profundo ha' o banditismo e-ou trafico de droga...

So' ontem percebi o quanto a natureza e' impiedosa por aqui e como as coisas podem correr mal por uma coisinha de nada...

Ontem andei sob mais de 50 graus desde as 9 ate' 'a 1 e meia da tarde. Do oasis de Taghit para o oasis de Beni Abbes. Nao parecem muitos kms, uns 140 km, mas por causa de um mal-entendido com os militares, fiz mais 120 kms desnecessarios e tive uma espera de uns 40 minutos por uma escolta sob um calor enorme. Nem um arbusto para me abrigar... Sem um lugar onde obter agua. Agua quente nunca me soube tao bem... Tinha lido nos guias a expressao "calor opressor" mas so' ontem percebi o que isto quer dizer. Os kms e as horas passavam e sensacoes de tontura invadiam-me. Tinha que redobrar de cuidados de cada vez que parava, para mudar a escolta. A unica coisa que queria era dar parte de fraco pois os militares ainda podem meter na cabecinha que eu nao posso continuar... Sentado na moto, imovel, as maos no guiador km apos km, tinha a sensacao de que cada inspiracao me custava mais, me pedia mais energia. So' faltam 50, 45, 30, 20 km, enfim, o cruzamento para o oasis. Aqui a paisagem e' desoladora, nem um djebel, nem uma duna, nem uma arvore, so' o ar escaldante do deserto. Cheguei ao hotel com bastantes tonturas e cambaleante la' estacionei a moto em frente 'a entrada, respondi 'as mesmas perguntas 'tontas' - o nome do meu pai, da minha mae - enorme -, a profissao, a morada, etc. Quem me atendeu foi o 'comptable', ja' que o recepcionista fora dispensado, bem como o guardien do parking. Nao ha' clientes nesta epoca, sou o unico hospede do hotel. O Hotel Rym pertence 'a cadeia de hoteis do estado e e' megalomano, como outros que tenho encontrado: uns 160 quartos, a grande maioria dos quais inutilizados devido 'a grande degradacao. Procura-me um quarto que tenha ar condicionado e frigorifico no quarto. La' encontra um, apos varias tentativas. E' o 122. Ainda nao almocei, as tonturas nao me abandonaram, tenho tanto calor que nem tenho apetite e so' acalmo com alguns goles de agua fresca. Bebo um litro e meio de uma assentada, deito-me na cama a arrefecer e adormeco por umas tres horas.

Jantei bem antes de ontem no hotel e pela manha fui visitar um impressionante museu do Sahara aqui em Beni Abbes. Nunca imaginei que fosse aqui encontrar um museu tao fabuloso. Decadente, escaldante por dentro, museu 'a antiga, e' gratuito e tem uma coleccao gigantesca de objectos e animais empalhados de todo o Sahara. Geologia, historia da terra, artesanato, zoologia. Completissimo.

ZP.

Hoje tive o dia mais duro de toda a minha vida de motociclista. Andei na estrada cerca de 340 km de inferno, das 9 'as 6 e meia. Eu sei que nao parece muito, mas so' ca' se sente o que e' um clima inospito. Com as escoltas houve, muitas paragens e haviam mais duas autocaravanas de italianos. Andei sempre sob mais de 50° - 57 no maximo. A paisagem do trajecto de hoje foi literalmente lunar - dei comigo com pensamentos estranhos: que gostava muito mais de morrer por ali, um dia, do que numa cama do hospital. Nunca vi paisagens tao belas e tao mortais nesta epoca... Cheguei ao oasis de Timimoun nas ultimas, com dificuldade em articular palavras e caminhar, mas resisti ate' 'a cama do hotel. Ja' neste, o meu estomago nao aguentou a agua gelada 'a chegada e deitou tudo fora. A temperatura por aqui nao desce abaixo dos 40°, mesmo de madrugada. Se nao fosse a companhia dos italianos - que me convidaram para almocar numa das caravanas - nao tinha conseguido ca' chegar hoje, tal foi a violencia. Acho que descobri finalmente os meus limlites... Nao me vou esquecer tao depressa deste dia... Vou ficar alguns dias neste oasis que e' considerado - justamente, pelo que consegui ver - o mais belo oasis do Sahara. Quando sair daqui para o norte, por El Golea e Ghardaia, a coisa vai ter que ser bem pensada, com saida pela manha muito cedo, ja' que e' uma grande estirada - para se fazer neste clima pelo menos.

Ze' Paulo.

Amigo Zé Paulo!

Tanto eu como a Cristina, estamos siderados com a tua aventura.

Não há palavras para comentar a Coragem e espírito Lusitano com que enfrentas mais um desafio Motard.

Temos como Garantido que o levarás a bom termo e que nos irás deliciar com uma narrativa digna do teu Grande Nome.

Votos de uma maravilhosa viagem e de um melhor regresso, dos teus amigos,

Victor e Cristina Seahawk.

Excelente reportagem. É pena teres de estar a sofrer dessa maneira com o calor.
Às vezes quando planeamos uma viagem não prevemos todos os pormenores, como dizes a melhor altura seria na Primavera, mas início, ou no Outuno. O calor é terrível.

Contnuação de boa viagem e faz uma finta a esses gajos dos jipes,
antonio queiros

antonio.q escreveu:Excelente reportagem. É pena teres de estar a sofrer dessa maneira com o calor.
Às vezes quando planeamos uma viagem não prevemos todos os pormenores, como dizes a melhor altura seria na Primavera, mas início, ou no Outuno. O calor é terrível.

Ainda sobre o dia de ontem: sabia perfeitamente que vinha a estes calores, ponderei um pouco, mas por causa da minha profissao ou era nesta altura ou nunca. Nao foi falta de planeamento; vim plenamente consciente do que me esperava. Ainda assim ha' uma diferenca entre o pensar como vai ser e estar por ca'. A questao e' que, por muitos cuidados que tenhamos, os acontecimentos ultrapassam-nos e saem fora do nosso controlo. O que podia ter sido uma viagem matinal, pela fresca (so' 45°), estendeu-se por muito mais horas, pelo periodo onde todos se abrigam em casa devido do calor. 3 ou 4 horinhas ao sol a 50° nao fazem grande mossa, mas o acumular de muitas e muitas horas complica tudo. A historia completa deste dia conto-a depois, mas deixem-me juntar mais uma coisinha ao dia de ontem.

Ha trocos de dezenas de kms onde se veem apenas rocha, pedras, areia, uma linha fina de asfalto, 'as vezes invadida de areia e.... pneus... muitos pneus rebentados de camiao e de automovel. Dois dos factores que atrasaram o nosso percurso de ontem foram rebentamentos de pneus. Primeiro, o rebentamento do pneu de um autocarro em sentido contrario ao nosso. Um dos jeeps que fazia a escolta ficou para tras para ajudar. E depois ele proprio rebentou um pneu. E' muitissimo frequente. Quando perdemos o jeep da cauda, o que ia na dianteira, teve que voltar para tras para o ajudar e deixou connosco um dos militares 'bem armado'. E ali ficamos uma hora sob o sol impiedoso, sem um arbusto para nos abrigarmos... Era um bom momento para sequestradores fazerem o seu trabalhinho. Moderamos propositadamente a velocidade de circulacao a uns 80 km/h, para minimizar os riscos de um rebentamento, o que faz aumentar ainda mais o tempo de viagem.

Hoje andei a passear por Timimoun durante a manha. E' sexta e portanto foi dia de oracao. A partir do meio-dia as ruas estiveram completamente desertas. Mas este e' um oasis surpreendentemente movimentado e todo de cor ocre, avermelhado, a cor das areias por aqui. Ha' um circuito de uns 75 kms por um lago salgado nos arredores, que farei amanha.

O dia esteve muito farrusco. Ha' algum vento e muita areia no ar, que reduz drasticamente a visibilidade. O ceu esta' cinzento - muito frequente, dizem os locais. Mauzinho para o sight seeing aqui do turista. Espero ter mais sorte amanha.

Uma nota sobre as paparocas. A oferta de comidas na Argelia, pelo menos no Sul, sobretudo nesta epoca baixa, e' muito basica. Frango, batatas fritas, uma saladita, sopa harera (quando ha', deliciosa), umas coisinhas esquisitas que ainda tenho que provar e pouco mais. Fiquei tambem a saber que daqui a poucos dias acerta-me o Ramadao na cabecinha, ou melhor, no estomago. Este ano comeca no dia 11 de Agosto. Nao sei se sabem, mas o calendario islamico rege-se pela lua, e um ano arabe equivale a 12 meses lunares (o mes lunar tendo 28 dias, como sabem). Assim, um ano arabe tem uns 354 ou 355 dias, o que faz com que de ano para ano o Ramadao chegue cada vez mais cedo, segundo o nosso calendario. Vai ser lindo, atendendo a que se diz que ha' poucos paises arabes em que se leva o ramadao tao a serio como na Argelia. Mas este "levar a serio" aparente, publico, nas ruas, e' totalmente hipocrita, ja' que muita gente fecha os estabelecimentos, comercios e restaurantes e tira ferias, mas quebra o jejum, empanturrando-se em casa. E como ate' se esquecem que ha' turistas malucos no pais, sempre quero ver como vou encontrar comida, eh eh eh...

Ate' logo...

Ze Paulo.

PS: Boa viagem para ti, Antonio (ainda estas em viagem, certo?).
PPS: E obrigado a todos pela "companhia"...

Allah esteve comigo hoje. Ao contrario de ontem, dia de vento e areia e visibilidade muito curta para admirar a beleza dos locais aqui em volta, hoje amanheceu com o ceu azul. Sou quase de certeza o unico estrangeiro (pelo menos nao residente) na cidade e provavelmente num raio de 200 kms. Um passeio matinal pelos palmeirais ate' 'as dunas, a dois passos do centro desta cidade de oasis, que pouco mais e' do que uma rua principal com os seus grandes suburbios.

Nao ha' guia turistico que nao fale nas famosas foggaras, sistemas de captacao de agua e irrigacao milenares que ainda sao usados nos dias de hoje. Ha' um office de tourisme na cidade mas esta' fechadissimo. Imagino que a ninguem lhe passa pela cabeca que ha' turistas nesta epoca... Sem guias nem ajudas, la' fui a pisar tamaras pelos palmeirais 'a procura dos famosos foggaras ate' ao lago (hoje seco) salgado nas imediacoes de Timimoun com as dunas como palco de fundo. As fotos vao ter que esperar por melhores dias, mas nem vos conto o gozo que foi descobri-las sozinho. Os canais que vao ate' 'as "hortas" nos palmeirais, as fontes, cavadas nas dunas, nas quais ha' que trabalhar constantemente para "desentupir"... 'A tarde fiz 200 kms sozinho (!) em pequenas estradas ate' 'as dunas do grande Erg Ocidental, mar de areia praticamente com a mesma area de Portugal, sempre com paisagens do outro mundo.

Ja' combinei com os gendarmes a saida escoltada obrigatoria de amanha para cedinho de madrugada. Vou desta vez tentar evitar a todo o custo a hora de maior calor para chegar direitinho ao destino... El Golea. Vou comecar a subir lentamente para norte. Quando o Ramadao - que e' lembrado em todo o lado por aqui - chegar na quarta, vou andar por paragens um pouco menos inospitas: o vale de M'Zab. Insh' Allah...

Ze Paulo.

Na última vez que estive contigo, achei que estavas um pouco mais "crescidinho" para os lados e disse-te que tivesses cuidado com a saúde. Não pensei, nessa altura, que era mesmo isso que, então, fazias. Armazenar. Se não tivesses alguns açúcares a mais, provávelmente tinhas tido maiores problemas. Além disso, nessas temperaturas, o corpo não faz permutas de calor. É muito complicado... para nós simples mortais. Não, não é, evidentemente, o teu caso.
Parabéns por estares a conseguir levar a tua carta a Garcia. E vê lá se tens juízo e se te poupas.

Lembro-me de em Argel o Ramadão ser levado a cabo com o maior fundamentalismo, embora também acontecesse - depois do pôr do sol, ver miúdas a tirarem as túnicas em vãos de escadas e em 3 minutos transformarem essas túnicas em "cintos largos" que usavam como saias e íam para a noite. No Hilton de Argel haviam todas as noites grandes comezainas e grandes copofonias. Mas, nesse aspecto, lá é como cá. Alguns cumprem os preceitos do que defendem, outros dizem que sim. Muçulmanos ou Cristãos, todos somos homens com muitos defeitos e algumas virtudes (excepto no meu caso que só tenho defeitos):

Um abraço e continuação de uma grande e boa viagem.

Estou no Vale de M'Zab, mais conhecido por Ghardaia, uma zona com algum interesse historico e etnologico, que vou andar a passear por um ou dois dias. Ghardaia e' considerada a porta do deserto do centro do pais, da mesma maneira que Ain Sefra e' a porta oeste. Esta' um veraozinho alentejano, com 38 / 40° de maxima.
As viagens dos ultimos dois dias parecem Primaveras comparadas com a semana passada. Acho que os grandes calores ja' terminaram. Tenho andado sozinho sem escoltas desde Timimoun, o que e' fixe. Sou dono do meu tempo e chego cedo aos destinos. O calor aqui leva-se muito facilmente. Nao se ve um unico turista nas redondezas. Ghardaia e' bem diferente dos oasis a sul do grande erg. Nestes oasis remotos a vida e'
dificil, as pessoas mais abertas e autenticas, ha' menos de tudo, de alojamento "decente", comida e tudo e' compensado com maior calor humano.

Isto esta' muito mau para fotos, lamento. Nunca mais voltei a ter WiFi e estes computadores ainda sao da era da diskette, sem portas USB. Terao que ficar para mais tarde, para o relato. Para ja' ficam estas notas mal amanhadas neste cybers publicos caoticos, mas com a vantagem de serem espontaneas, em cima do acontecimento.

Uma coisa que me tem surpreendido bastante e' a qualidade da agua por aqui. A agua engarrafada e', na maioria das marcas, de optimo paladar, muito melhor do que em Marrocos. E agua canalizada da rede publica e' tratada e sujeita a analises em todo o lado. Tambem aqui, melhor do que em Marrocos. Tenho bebido de tudo, em pocos nos palmeirais dos oasis, da torneira em restaurantes manhosos e os intestinos continuam em
excelente forma. Em Igli, na franja do grande erg ocidental, passa um grande lencol freatico e a agua encontra-se a muito pouca profundidade, geralmente. E' muito pura. O meu amigo berbere Mostafa levou-me aos seus pocos, muito pouco profundos (5-8 metros) e mostrou-me os peixes que por ali andavam. Fiquei a saber que os tem por ali com funcoes bacteriologicas. Limpam a agua de baterias. Excelente, nao? Bebi e pareceu-me muito leve. Embora eles tenham muita agua nos oasis, nos ultimos anos tem tido necessidade de a procurar mais fundo. Outro problema que enfrentam e' o aumento do teor de salinidade, devido 'a seca, o que prejudica as culturas.

Gastronomia: esta' a melhorar. Mais variedade e finalmente um pouco de cozinha tradicional argelina. Ontem um bom couscous argelino (diferente do Marroquino e de outros!) e uma deliciosa sopa chamada chorba ( http://fr.wikipedia.org/wiki/Chorba ). Ha' ingredientes, como o coentro, que os alentejanos bem conhecem. E
sabem quem andou pelo alentejo ha' "uns tempos", nao sabem? Espero conseguir provar outras coisas daqui.

Como fico por aqui um dia ou dois espero dar mais noticias em breve e tentar encontrar uma forma de por mais umas fotozitas...

Ze Paulo.

Amigo Zé Paulo, os teus relatos são de ler e esperar impacientemente por mais!
Ao ler as tuas crónicas, quase que se sente aqui o calor do deserto!
Espero que corra tudo pelo melhor e que em breve consigas colocar aqui algumas fotos.
Um abraço.

PS - Aqui deste lado até ta fresquinho 35º-38º!

Olá ZéPaulo, nunca pensei que me desse tanto gozo ler uma crónica sem grandes fotos, mas tu realmente superaste..Sinceramente estou mesmo vidrado nestes teus relatos e é de LOUVAR, com H grande essa tua coragem e determinação....Que tudo te corra pelo melhor e nós por cá estamos atentos e sempre prontos a paoiar no que pudermos....FORÇA Zé Paulo...

V

Realmente é com gosto que se vai acompanhando a tua aventura, não te esqueças companheiro, África tem tanto de bonita como de perigosa, vai e faz o favor de voltar............

Como de conversa o povo nao se alimenta...

'A esquerda, centenas de kms desta paisagem.


Heure de la priere...


Chegada ao vale de M'Zab. Aqui habita um povo chamado os Mozabites, uma seita dissidente do Islao, perseguida durante muito tempo, que aqui se refugiou e procura preservar as suas tradicoes.


Ghardaia, a principal das cidades do vale do M'Zab.


Uma mulher vestindo o tradicional "haik". Tem apenas um pequeno buraco com um dos olhos destapados. Nao faco praticamente fotografias de pessoas. No Islao mostrar a cara ou parte dela tem uma forte simbologia. As habitantes de Beni Isgen, a mais conservadora das cidades do vale M'Zab, totalmente rodeada por um muro de 2.5 kms, quase todas as mulheres se vestem assim. So' e' permitido o acesso 'a cidade com um guia. Estive la' hoje e e' um mundo 'a parte... O vale foi considerado patrimonio da UNESCO.


Outra das cidades, Melika. Reparam na enorme lixeira na encosta? Faz muito parte do mundo das cidades arabes...


A ponte sobre o Oued, agora seco. 'A esquerda, Ghardaia.


Sozinho no meio do nada...


Camelos selvagens, a caminho de El Golea, ou seja irmaos da AT. Timimoun-El Golea e' o trajecto dos camelos, de tantos que se avistam. Um bocadinho de um primo destes esteve no meu prato hoje ao almoco. A carne e' excelente, escura, saborosa, mas um pouco seca e tem que ser cortada fina. E tem que ser de camelo pequeno, a carne dos grandes e' demasiado rija. Perdoa-me Allah, por ser um camelofilo. Nota final: comi tao bem neste restaurante (por 400 Dinares - uns 4 euros) que voltei la' ha' pouco ao jantar. Quando fui pagar, sorriu e nao quis (espanto meu...). Explicacao: amanha vamos fechar por um mes para o Ramadao... Na Argelia, o "pais dos terroristas"... (sim, ainda estou vivo... )


Acontece...


E' este o aspecto do bicho (como se voces nao soubessem)...


Aspecto de uma ruela de Timimoun, o oasis do Grande Erg Ocidental.


Amanhecer na sebkha (regiao de lago salgado - hoje seco - entre Timimoun e as dunas do Grande Erg)...









Palmeiral e dunas em Timimoun (a vista do quarto do Hotel). Claro que a isto terao que acrescentar uns 50°zitos...


Os italianos com que viajei um dia inteiro (e o guia deles que os levou de Algiers a Tamanrasset - gostei do gajo!). Nesta altura, estavamos parados na faixa de rodagem, acompanhados por um militar armado. O jeep em que ele se encontrava tinha ido atras, socorrer o da cauda, a quem tinha rebentado um pneu.


As famosas foggara, sistemas de recolha de agua e irrigacao, os mesmos usados ha' muitos seculos (mas ameacados de extincao). Primeiro a "source d'eau" que se alimenta na camada freatica. Sob as dunas, junto aos palmeirais. Aqui estavam a fazer alguns trabalhos, constantemente necessarios, de desobstrucao e limpeza do local da "source". Ha muitas destas ao longo dos palmeirais.


Aqui os pequenos canais de irrigacao que vao ate' 'as hortas, nos palmeirais. Uma parte dos canais sao subterraneos. Ha' outras foggaras nos oasis do Grande Erg Ocidental.


Experimentem ver este video, se tiverem curiosidade... http://vimeo.com/8890564

Ze' Paulo.

Zé Paulo, que viagem espectacular. As fotos são brutais.

Boa continuação.

Só por ter o Nome Paulo subiste mais uns pontos na minha consideração, mas estas a fazer uma viagem, que eu um dia se tudo correr bem irei fazer.
Aproveita bem, faz uma boa viagem, e continua a fazer os teus diários, que eu só de ver estas fotos e ler as tuas cronicas fico satisfeito.

Trans Saudações

Paulo Costa

Paulo Costa escreveu:Só por ter o Nome Paulo subiste mais uns pontos na minha consideração

Obrigado Paulo e a todos pela vossa companhia!

Ze' Paulo.

Nós é que temos de te agradecer por nos possibilitares viajar contigo....

Deveras impressionante cada relato que fazes...

Continuação de uma excelente viagem...

V

Deveras impressionantes a paisagem e o relato das peripécias. Zé Paulo, fizeste crescer em mim ainda mais o desejo de passar pela Argélia. Talvez num futuro não muito longínquo.Cuidado com a areia na estrada e continuação de boa viagem.Um abraço,Antonio Queiros(sim, ainda cá ando pelos esteites até final de setembro, se correr bem. também por aqui tem sido um calor dos diabos, tanto que resolvi alterar o meu rumo e seguir já para norte até ao quebec)

Parabéns pela viagem, com o calor que se faz sentir por aí, e estando tu consciente do que ias enfrentar, ainda valoriza mais a viagem.

Uma boa continuação de viagem.

Boas, Zé Paulo!

É bom ir sabendo de ti!
Obrigado por estas crónicas fantásticas!
Continuação de boa viagem.
Abraço!

Ainda não vos tinha dito, mas na quarta-feira perdi o meu passaporte. Como este episódio, com passagem por Argel é por si só uma história dentro da história, para quem tenha paciência de a ler, hei-la.

Resumindo a história: cheguei a Argel ao cair da noite, depois de mais de 600 kms, vindo de Ghardaia, um pouco preocupado com controlos policiais desde que, a meio da tarde dei por falta de passaporte. Ainda nesse dia tentei telefonar várias vezes para a embaixada de Portugal, teoricamente em horário de funcionamento, mas sempre sem sucesso, encalhando constantemente no atendedor telefónico. Ainda a caminho de Argel, decido fazer o lógico e necessário numa situação destas: parar numa esquadra e declarar a perda, pois sabia que a qualquer minuto seria controlado e apanhado sem o documento que me pedem sempre várias vezes ao dia.

Parei na esquadra de polícia numa pequena povoação chamada Seghouane, a uns 100 kms no caminho de Argel e os principais na hierarquia quase não falavam francês. Disse-lhes o que se tinha passado e que não queria estar nesta situação sem papéis. Os tipos fizeram o que em temia: preocuparam-se mais em se certificar do que lhes dizia, do que em me ajudar. Tiraram fotocópias do meu BI, do papel de declaração das divisas estrangeiras (que tinha carimbos da data de entrada na Argélia e o nº do passaporte) e da factura do hotel de Ghardaia, que me permitia provar que tinha comigo o passaporte, de manhã, no ponto de partida desse dia. Telefonaram para o hotel em Ghardaia a comprovar que lá tinha estado e apresentado o passaporte (obrigatório para o preenchimento de uma ficha de polícia na recepção dos hotéis) e mandaram-me embora sem qualquer declaração de perda: eu que me desenrascasse na embaixada de Portugal. Só lá podia ir no dia seguinte e sabia que os hotéis não me deixam lá ficar sem documentos por causa da polícia e num controlo policial que me fizessem estava feito! Bem lhes perguntei o que faria quando fosse controlado, quando tentasse ficar num hotel... Os gajos disseram-me que não haveria problema, "tout va bien, tout est reglé, monsieur"... Claro que haveria problema num país destes...

Tive uma sorte do caraças e até Argel ninguém me mandou parar nas numerosas "barrages" policiais, senão podia ter acabado pior. Há militares de toda a espécie, os azuis da polícia, os verdes da gendarmerie, e uns "polícias de choque" armados até aos dentes que olham para mim como se escondesse uma granada dentro das malas. Chego aos arredores da cidade e vou logo espreitar o bairro das embaixadas para saber onde me dirigiria no dia seguinte e tento encontrar o Centro e os hotéis, pois após meia hora de voltinhas não vejo nem um. A cada 300 / 500 m há uma espécie de polícia de choque que me faz abrandar quase até parar, apontando um instrumento de metal para cada veículo que passa. Quando enfim me mandam parar, contra-ataco logo com sangue frio e antes que me digam qualquer coisa, pergunto onde se situa um hotel (um bastante caro, cujo nome tinha visto pouco antes, no guia Lonely Planet). Respondem-me com um sorriso, mandam parar o trânsito para que eu fizesse meia volta sem suspeitar que não tenho documentos, com a cassette sorridente do costume: "soyez le bienvenu, monsieur".

Depois de algumas deambulações, chego a um hotel médio/alto, o Es Safir. Se no Sul qualquer hotel serve, aqui no centro das grandes cidades há que escolher com cuidado. A tendência é haver do muito barato e do excessivamente caro. Há que ficar num com parque com estacionamento (e os baratos não o têm, normalmente), por causa da moto, que aqui é um empecilho. Já com a moto estacionada depois de passar por um porteiro renitente em deixar entrar a moto no parque minúsculo num centro da cidade sem espaços, tento a minha sorte ao balcão do hotel. Conto a minha história, a visita à polícia de Seghouane (eles podiam confirmar!), mas são implacáveis, como imaginava... Não me podia aceitar e eu teria que ir antes à polícia, que para estes casos tem um procedimento, um "serviço de hotel", que consiste em passar um documento temporário que traria para poder ficar no hotel, até eu resolver a situação. Nesta altura, eram umas 10 da noite, tinha comido pela última vez ao pequeno-almoço e o Ramadão começava precisamente nesse dia, o primeiro de jejum colectivo. Com um calor insuportável (acho que sobretudo pela humidade), alagado em suor, cansado e esfomeado, lá vou eu a caminho da "central de police", uma esquadra grande. Páro em frente para perguntar onde me devia dirigir e reagem assustados. Antes de me deixarem falar, dizem-me para sair dali e parar mais à frente. Obedeço (aqui obedece-se sempre! ), chegam ao pé de mim, primeiro um, depois dois, depois três, e conto a situação. Mais calmos e brincalhões, querem saber as coisas habituais: quando custa a moto, o que estou ali a fazer, qual a velocidade máxima, se lha quero vender, que o Cristiano Ronaldo é maior se conheço um argelino que joga num clube português... Normalmente eu tenho paciência para esta conversa mole, mas neste dia só queria tomar um duche, comer e resolver a história do passaporte logo de manhã. Devia estar com um aspecto derreado... Mas não posso estacionar ali, tem que ser do outro lado da rua. Lá vou eu, desligo a burra com o motor a ferver de tantas voltas na noite quente da cidade congestionada.

Lá me indicam uma porta. Dirijo-me a um guichet, mandam-me contornar um canto para falar com a mesma pessoa (?), explico a situação. Mandam-me falar com um tipo à civil noutra sala, explico novamente, que os colegas de Seghouane estão ao corrente de tudo (não se interessa) e que preciso de um papel para me deixarem dormir no hotel e que no dia seguinte vou regularizar tudo na embaixada. Manda-me "patienter", pede-me documentos. Dou-lhe o BI, a carta de condução, a factura do último hotel, o papel das divisas e ele sai. Fico numa sala com duas prostitutas (julgo eu, pelas maneiras), alguns elementos de uma família de alguém que está detido provisoriamente naquela esquadra (nem eles nem os polícias parecem ter a certeza!), e alguns tipos bem dispostos e aparentemente amigos dos polícias que estão a ver a selecção da Argélia a jogar no televisor da sala. Daí a 20 minutos chama-me com a minha papelada na mão, faz um telefonema (em árabe, não percebo nada), volta a pedir para "patienter" na sala com resto do pessoal. Mais daí a bocado volta com tudo na mão, fala baixo com uma das raparigas e diz-me para "patienter". Vai e volta mais algumas vezes, tagarela com algumas pessoas em árabe, vira-se para mim e diz que, e tal, "c'est interdit, monsieur, mais on va vous aider...". Parte de novo. Nem chego a perceber exactamente o que é proibido, mas espero. Ao fim de uma hora, volta com os papéis e diz-me de novo que "c'est interdit", mas que me vai fazer um grande favor. Devolve-me todos os papéis, não me passa nenhuma declaração de perda nem mais nenhum papel, mas diz-me para voltar à recepção do hotel e dizer que tinha falado com o commissário... Saimos sozinhos até à porta da esquadra, volta a repetir-me que se trata de um favor pessoal. Agradeço-me muito e várias vezes. A coisa fica por aqui.

Volto ao hotel na situação "de sem documento algum", mas com uma cama garantida para dormir essa noite, tomo um muito necessário duche e fraquinho saio para a rua esfaimado, capaz de comer um boi. Felizmente a folia do Ramadão tinha começado, toda a gente está a aproveitar o período das 20 horas até às 3/4 da manhã para encher os estômagos vazios e não tenho que andar muito para encontrar comida.

Volto ao hotel (com Wifi), ponho o e-mail em dia, procuro mais algumas infos sobre a embaixada e durmo algumas horas (poucas). De manhã nem tomo pequeno-almoço (nem sei se com o Ramadão mo dão!) e vou directo à embaixada. Ou tento ir... Ainda não tinha feito 500 metros desde a saída do hotel uma carrinha da polícia com quatro indivíduos manda-me parar. Tenho a certeza de que foram avisados pelo hotel da minha saída, de tal forma vinham com o olho em mim. Julgo que a falta de documentos, ser estrangeiro numa época em que ninguém cá vem, num meio de transporte que ninguém usa, a pedir a senha para usar o Wifi (portanto com PC), com grandes malas de alumínio fechadas à chave, chama demasiado as atenções por estas bandas no 1º dia do Ramadão.... Vinham filados em mim, pedem-me os documentos. Eu explico de novo toda a situação, que não tenho passaporte (eles fazem cara de que a história não é nova para eles), pedem-me os documentos que tenho e querem saber o que levo nas malas e pedem para ver tudo. Depois, um deles abre uma agenda e diz que me vai fazer um inquérito. Isto numa rua movimentada (carros e peões), com a AT estacionada num local à beira de tombar (rua inclinada e para o lado "errado" e sem espaço). Eu obedeço a tudo, claro, e de repente, o tipo fecha a agenda, devolve-me os documentos e diz-me para seguir...

Percebi que não ia ter muita paz por ali, naquela zona que parecia sitiada. Decidi ir tratar da papelada o mais rápido que podia e ir para uma zona mais sossegada, junto ao mar. Aquele policiamento todo não me estava a cheirar bem e mesmo com documentos provisórios da embaixada, não era local onde me apetecesse ficar muito mais tempo. No entanto, apesar da sujidade, calor, das ruas de inclinação enorme e alcatrão perigoso (polido e sujo) e difícil circulação, a cidade pareceu-me ter muito carácter e na zona ribeirinha é muito bonita. Para um dia voltar...

A zona das embaixadas ainda tem mais polícias do que o normal. Estaciono a AT perto da embaixada portuguesa, numa zona onde me pareceu não causar impedimentos. Bato à porta, passo por um detector de metais, entrego o BI e espero. Enquanto espero, viriam autorizar-me/sugerir-me para fazer entrar a moto no portão da embaixada, pois está a chamar demasiado as atenções. Vou buscá-la. Já lá estão dois polícias espantados com a moto (como é habitual... agora compreendo a síndrome das estrelas de cinema que não conseguem andar na rua despercebidas... ). Primeiro, que não pode estar ali, depois já não faz mal mas querem saber quanto custa, quanto "dá", de onde venho, se sou turista.

Na embaixada fui muitíssimo bem tratado. TInha um scan da primeira página do passaporte. É impresso e autenticado. Passam-me uma declaração de perda em francês, com o nº do dossier do visto da embaixada da argélia que entretanto chegou por fax, um título provisório de viagem para poder apresentar à saída do país e uma declaração de perda em português para poder revalidar o passaporte em Portugal. Vou com o motorista da embaixada tirar fotografias, que são necessárias. Já tinha perdido o passaporte há 9 anos atrás e isso está anotado; dá um ar de desmazelo terrível, bem sei, mas digo para mim que tento ser cuidadoso com estas coisas (possivelmente não o suficiente)...

Entretanto conversei um pouco com o motorista da embaixada, um berbére brincalhão, bem diposto, mas que me pareceu muito responsável. Trabalha quase há 20 anos na embaixada, já conheceu Portugal e fala um pouco de português. Perguntei-lhe se todo o policiamento era normal. Disse-me que sim, embora no início do (e durante o) Ramadão eles tendam a reforçar o policiamento. Bom, a mim impressionou-me todo o aparato!

Depois destes acontecimentos não me apeteceu ficar na sitiada Argel e rumei a Tipaza, local com vestígios impressionantes da presença romana. Foi uma boa escolha, passei lá um tempo excelente, na companhia de locais, que resumirei em breve (mais resumido e com fotos, tá prometido! ).

Zé Paulo.